‘O STF deve reduzir a idade para esterilização cirúrgica; questão de autonomia e justiça reprodutiva’, diz a médica Ana Costa

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Reduzir a Idade para Esterilização Cirúrgica: Uma Questão de Autonomia e Justiça Reprodutiva

Por Ana Maria Costa*, na Folha de S. Paulo

A autonomia sobre o corpo e o direito ao planejamento familiar são pilares fundamentais de uma sociedade democrática e inclusiva.

Quando o Estado impõe restrições que dificultam ou atrasam o o à esterilização voluntária, especialmente com base apenas em critérios etários, ele deixa de reconhecer a diversidade das experiências de vida e os direitos reprodutivos dos indivíduos.

Nesse contexto, é urgente reavaliar a idade mínima exigida para a esterilização cirúrgica no Brasil e permitir que pessoas jovens, plenamente conscientes de sua decisão, possam exercer esse direito de maneira digna e segura.

A atual legislação brasileira de 1996 estabelece que a esterilização só pode ser realizada em pessoas com mais de 21 anos ou que tenham, no mínimo, dois filhos vivos.

Embora essa regra tenha sido criada com a intenção de evitar decisões precipitadas ou forçadas, ela frequentemente se mostra desatualizada diante da complexidade da realidade vivida por muitas pessoas.

Jovens adultos, especialmente mulheres em situação de vulnerabilidade, que já enfrentam a maternidade precoce e têm pleno conhecimento dos desafios de sua realidade social, muitas vezes desejam — e precisam — ter o à esterilização como forma de garantir o controle sobre sua própria trajetória reprodutiva.

A questão central aqui é a autonomia: a capacidade de cada pessoa tomar decisões informadas e responsáveis sobre seu próprio corpo.

Reduzir a idade mínima para a esterilização cirúrgica, desde que precedida de atenção ao planejamento familiar com informação e aconselhamento profissional, oferta de alternativas contraceptivas reversíveis e o a informações completas e imparciais, não significa promover a esterilização precoce mas reconhecer a maturidade e a autodeterminação das pessoas.

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A experiência acumulada e comprovada por diversos estudos mostram que decisões sobre reprodução não seguem regras rígidas de idade ou maturidade. Muitos jovens com menos de 21 anos já são mães ou pais, responsáveis por lares, que trabalham, estudam e sustentam suas famílias.

Negar a elas o o à esterilização, mesmo após expressarem de forma clara e reiterada esse desejo, é perpetuar uma lógica perversa que desconsidera suas vivências, desejos e capacidade de escolha.

Além disso, a restrição de idade imposta ao o a esterilização contribui para acirramento das desigualdades sociais.

Mulheres de classes mais altas têm o a clínicas privadas que facilitam o processo ou se garantem por vias judiciais. Já as mulheres mais pobres, negras e periféricas enfrentam obstáculos de o à esterilização que aviltam sua liberdade reprodutiva, reforçando um ciclo de exclusão e opressão.

É importante destacar que a defesa da redução da idade mínima para esterilização não deve ser um incentivo à sua banalização. Ao contrário: é um chamado à responsabilidade do Estado em garantir um sistema de saúde que respeite a autonomia individual.

Para isso é fundamental que o Estado também ofereça informação segura e todas as opções disponíveis de contracepção, inclusive métodos reversíveis, para que não ocorra indução na decisão pela esterilização mas que seja feita com consciência e apoio técnico essenciais ao exercício da autonomia.

O Brasil assumiu desde os anos oitenta o compromisso com os direitos reprodutivos e sua efetivação a por reconhecer que a decisão de não ter (ou não ter mais) filhos é tão legítima quanto a de tê-los. E que ninguém, especialmente o Estado, deve assumir o papel de tutor sobre corpos que não são seus.

Reduzir a idade para esterilização, portanto, é mais do que uma mudança legal: é um o necessário para avançarmos rumo à justiça reprodutiva, ao respeito pela autonomia individual e ao fim das desigualdades históricas que cercam o direito de decidir se, quando e quantos filhos ter.

Redução da Idade para Esterilização Cirúrgica: Autonomia e Justiça Reprodutiva

O direito ao planejamento familiar é garantido pela Constituição e deve estar fundado na autonomia, na dignidade e no livre exercício das decisões reprodutivas. A sua regulamentação está na Lei 9.263 de 1996 que permite a esterilização cirúrgica apenas a partir dos 21 anos ou para pessoas com ao menos dois filhos vivos, impondo barreiras que desconsideram a realidade de muitos jovens adultos.

Sua aprovação pelo Legislativo se deu após a realização de uma MI que investigou a esterilização em massa e mulheres negras e no contexto de enorme preocupação com as elevadas taxas de esterilização cirúrgica de mulheres no país. Assim era natural a adoção de medidas restritivas.

Entretanto lá se vão quase três décadas e é hora de repensar essa restrição, garantindo a quem deseja e está preparado o direito de decidir sobre o próprio corpo.

É fundamental contextualizar que a esterilização é apenas um dos métodos de contracepção, e deve ser oferecida dentro de um leque amplo de opções.

Não se trata de impor ou estimular a escolha precoce, mas de permitir que ela seja possível para quem já refletiu a partir de sua experiência em contracepção e, com informação suficiente, pôde decidir com clareza.

Ao negar esse o com base exclusiva na idade, o Estado reforça uma postura perversa questionando a capacidade de decisão de jovens que, muitas vezes, já são mães ou pais, chefes de família e plenamente conscientes de sua condição.

A autonomia reprodutiva deve ser respeitada, e isso inclui o direito de não querer ter (ou não querer mais ter) filhos.

A restrição atual não protege, mas sim penaliza especialmente mulheres jovens em situação de vulnerabilidade social, que encontram na esterilização um meio de garantir sua segurança, saúde e estabilidade.

Enquanto isso, mulheres com melhores condições financeiras conseguem ar o procedimento por vias privadas ou judiciais, escancarando a desigualdade no o ao planejamento reprodutivo.

Reduzir a idade mínima para a esterilização, com a garantia de serviços de cuidado à saúde, o à informação e disponibilidade de todos os métodos contraceptivos, é uma medida que fortalece o compromisso e a responsabilidade do Estado com os direitos sexuais e reprodutivos.

É também uma forma de combater o estigma, reconhecendo que decisões sobre reprodução não dependem apenas de idade, mas de contexto, história de vida e convicção pessoal.

A defesa da retirada da restrição da idade não ignora os riscos de escolhas precipitadas, mas aposta na maturidade de jovens que já enfrentam, muitas vezes sozinhos, a parentalidade precoce e não planejada.

Oferecer a possibilidade da esterilização não é negar o futuro dessas pessoas, mas, ao contrário, é permitir que elas o construam com autonomia.

Avançar nessa pauta é reafirmar o compromisso com a justiça reprodutiva, a equidade e o respeito às diferentes trajetórias de vida. É garantir que cada pessoa possa decidir, com o a cuidados de saúde, informação e dignidade, quando ter e se deseja ou não ter filhos.

*Ana Maria Costa, médica sanitarista e doutora em Ciências da Saúde. É a atual diretora-executiva do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde — o Cebes, entidade que já presidiu.

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