Coletivo Rebento: Troca de gestor é pouco para superar crise na saúde pública de Fortaleza; é preciso mais SUS
Tempo de leitura: 4 min
Redação Viomundo
A médica anestesiologista Riane Azevedo é a nova secretária de Saúde de Fortaleza (CE).
Assumiu a pasta em 20 de maio, substituindo Socorro Martins, até então no cargo.
O Coletivo Rebento de médicas e médicos debateu a nomeação da nova secretária.
Resultado: uma nota em defesa do SUS, na qual faz análise conjuntural da situação da saúde pública da capital do Ceará.
Confira a nota.
A defesa do SUS e a superação da crise na saúde pública de Fortaleza
O coletivo Rebento de médicas e médicos reafirma, com rigor, sua defesa ao SUS neste momento de crise que afeta a saúde pública em Fortaleza.
Defende que, além da troca de gestores, somente uma mudança significativa de estratégias e concepções poderá garantir o o à saúde de qualidade a todos os cidadãos e cidadãs da cidade.
A crise que assola a saúde pública fortalezense não é novidade. Trata-se de um problema antigo, que vem se agravando há décadas, alimentado pelo subfinanciamento crônico e por escolhas políticas equivocadas, as quais já se demonstraram fracassadas.
A superação dessa crise é urgente e não se resolverá apenas com a substituição de gestores.
Apoie o VIOMUNDO
Embora a competência, a capacidade técnica e o compromisso com a saúde pública sejam qualidades reconhecidas tanto na secretária que deixa o cargo, Dra. Socorro Martins, quanto na que assume, Dra. Riane Azevedo, tais atributos se mostram insuficientes se não houver mudanças reais na gestão da saúde pública em Fortaleza.
Nas últimas duas décadas, a rede de assistência à saúde pública nesta cidade cresceu abaixo do ritmo do crescimento populacional.
Da mesma forma, as tecnologias disponíveis e as ferramentas de gestão adotadas não conseguiram acompanhar a complexidade crescente das demandas de saúde, em um cenário marcado por profundas desigualdades sociais e econômicas.
Superar a crise demanda uma compreensão clara da realidade, dos erros e das escolhas realizadas, além de requerer coragem e compromisso com os princípios do SUS – o maior instrumento de justiça conquistado neste país, historicamente marcado por iniquidades e violências.
Do ponto de vista prático, são necessárias medidas imediatas para resolver o desabastecimento de medicamentos na rede pública de Fortaleza.
Isso implica um esforço concentrado, envolvendo os poderes executivos do município, do estado e da União, aliado a um amplo diálogo e cooperação com os demais poderes (judiciário e legislativo), com a sociedade civil organizada e com o terceiro setor.
Apesar de ser uma demanda importante a ser considerada, a unificação das centrais de regulação de leitos e serviços especializados não é, por si só, a solução para os entraves no fluxo assistencial.
O que se faz urgente é a implementação de um sistema integrado de coordenação da rede pré-hospitalar e hospitalar, que estabeleça fluxos bem definidos e protocolos rigorosos a serem seguidos por todos os profissionais, tanto nas centrais de regulação quanto nas demais unidades assistenciais.
Essa coordenação responsável e presente deve aprofundar o diagnóstico da realidade da rede, identificar falhas e promover intervenções imediatas para garantir a organização eficaz dos recursos.
Assim, poderemos assegurar que, independentemente da unidade de atendimento – seja o Hospital Geral de Fortaleza, a Maternidade Escola Assis Chateaubriand ou o Hospital da Mulher Zilda Arns – cada paciente receba a atenção adequada, garantindo, por exemplo, que uma gestante em trabalho de parto tenha o a um parto humanizado e seguro, sem enfrentar atrasos ou descomos no atendimento.
Uma mudança radical na política de gestão dos profissionais de saúde também é urgente para a superação da crise.
Tanto o estado quanto a prefeitura de Fortaleza, há mais de 20 anos, optaram equivocadamente pela contratação precarizada de trabalhadores e pela terceirização da gestão do SUS como estratégias.
A pejotização, a seleção por contratos temporários e a contratação de cooperativas por leilão, com base no menor preço, tornaram-se o novo normal, em detrimento dos concursos públicos. A escolha pela contratualização com Organizações Sociais, em substituição à gestão direta, também foi preferida.
Os resultados desses erros são evidentes. Observa-se a transferência milionária de recursos públicos para empresas privadas, que prestam serviços de saúde por meio de profissionais destituídos de vínculos dignos – sem direitos trabalhistas, sem perspectivas de desenvolvimento de carreira e sujeitos à exploração e ao adoecimento precoce.
Corrigir esse erro estratégico é fundamental para reverter a crise na saúde de Fortaleza, pois a persistência nessas práticas aprofundará ainda mais os problemas. Optar por novas escolhas equivocadas, como a contratualização de serviços privados com fins lucrativos (voucher), representará um atentado aos princípios do SUS.
Somente a contratação de profissionais de saúde por meio de concursos públicos, com vínculo formal e garantia de direitos trabalhistas, remuneração justa e condições adequadas de trabalho, aliada à gestão direta do SUS por gestores qualificados e preparados para utilizar e implementar ferramentas inovadoras, poderá reverter a situação. A realização de concursos públicos amplos para gestores e profissionais em todos os níveis de assistência é, portanto, urgente e necessária.
Medidas estruturantes também são indispensáveis para que a nova gestão alcance avanços concretos.
A expansão da rede de assistência é vital em todos os níveis – especialmente na Atenção Primária –, mas também em relação às UPAs, CAPS, hospitais secundários, maternidades e policlínicas. Investimentos na construção de novas unidades de saúde são essenciais para dimensionar adequadamente a rede e para acompanhar tanto o crescimento populacional quanto a complexidade das demandas assistenciais.
Além disso, intervenções em setores transversais se fazem fundamentais, como a universalização do saneamento básico, o desenvolvimento de políticas habitacionais, a proteção do meio ambiente e a ampliação dos espaços de lazer. Uma cidade só será verdadeiramente saudável se oferecer qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.
Diante de todo o exposto, o coletivo Rebento de médicas e médicos, defensores do SUS e de uma Fortaleza saudável, deseja sucesso à Dra. Riane Azevedo, nova gestora da saúde no município. Competência técnica, capacidade de diálogo e compromisso com o SUS são qualidades que sabemos que ela possui. Que ela seja capaz de mobilizar forças para superar os verdadeiros desafios da saúde pública de Fortaleza.
Coletivo Rebento de médicas e médicos em defesa do SUS, da ciência e da vida
Leia também
Comentários
Morvan
No alvo; aliás, a acomodação com a terceirização não é “privilégio” do PT, não também que isto lhe sirva de justificativa. É a ‘apropriação suave’ do Estado e todos os partidos parecem conviver muito bem com esse “Estado Mínimo” (para a maioria, bien sûr). Nem muito menos ‘apanágio’ da Saúde: a TIC, em valores absolutos, é o santo graal da terceirização. Servidores de carreira, ‘tolerados’ na TIC, contam-se com uma mão.
Para sustentar essa máquina, que tenta servir a dois senhores, o Estado acaba por tungar seus cidadãos (o quê é o recolhimento de previdência dos aposentados e pensionistas, senão a mais infame apropriação, esbulho, por exemplo?).
Escolha equivocada ou fonte de renda dos grupos esbulhadores? No mais, parabéns aos mantenedores do Grupo Rebento. Excelente enfoque.
Observação¹:
Sou amigo de infância de Ricardo, irmão de Riane Azevedo. Todos, virtualmente, da família, seguem carreira na medicina e são-no indubitavelmente capacitados. Mas o articulista frisa, veemente: não se trata da competência do investido no cargo.
Observação²:
Ao não colocar pessoas de carreira à frente de serviços essenciais e | ou sensíveis, o Estado perde duplamente: muito dinheiro e não se lhe permite a criação de uma 'intelligentsia' autóctone, perpetuando a dependência. Mas não esqueça que já tentaram privatizar o serviço de tratamento de água, aqui. Então, soberania é palavra morta...
.